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segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

D. JOANA A LOUCA - Por Henrique Flores

Para melhor entender a peça de teatro MORTO NO AMOR, LOUCA DE AMOR, escrita por Manuel Tamayo y Baus, é importante conhecer a história que deu sua origem. 
No artigo abaixo, do teatrólogo e historiador espanhol padre Henrique Flores, terão a oportunidade de conhecer a história da Rainha Joana e suas loucuras.
Nicéas Romeo Zanchett 
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D. JOANA A LOUCA 
                  Por morte da rainha D. Isabel e de outros filhos maiores, herdou a coroa sua filha D.Joana, que, como se disse já, nasceu em toledo a 6 de Novembro de 1479. Era tão parecida com D. Joana, mãe de D. Fernando V (pai da nossa rainha) que não só tinha o mesmo nome que sua avó, como também o mesmo rosto, de modo que sua mãe lhe chamava sua sogra,e o rei mãe. Procuraram seus pais educá-la em tudo quanto pudesse dar instrução e luzimento à sua pessoa. Aprendeu tão bem a latinidade que respondia de repente em latim aos que lhe falavam naquele idioma, como diz Vives. Depois de fazer quinze anos, combinaram seus pais em 1495 casá-la com o arquiduque D. Filipe, filho do imperador Maximiliano I e de D. Maria, senhora de Borgonha e de Flandres, e no ano seguinte dispôs a rainha sua mãe uma grande armada em Laredo para que a filha fosse a Flandres, enviando-a acompanhada do almirante D. Fradique e de sua mãe D. Maria de Velasco,  com outros senhores e senhoras. Não tardou D. Joana a mostrar-se fecunda, pois logo teve em Flandres a D. Leonor, em 15 de Novembro de 1498, pois que ainda que comumente os autores lhe atribuam o ano de 1499 como a data do nascimento, não pode ser assim, visto que o segundo filho, Carlos V, nasceu em Fevereiro de 1500 e, portanto, não pode nascer a primeira filha nos quatro meses precedentes. D. Leonor chegou a ser rainha de Portugal e de França, casando com os reis D. Manuel e Francisco I, e tendo enviuvado de ambos, voltou à Espanha com seu irmão Carlos V e faleceu em Talavera de Badajoz, em fevereiro de 1558, depois da visita que fez à sua filha D. Maria, infanta de Portugal. Foi transladada de Mérida para a Escurial em 1574. 
                  Conserva-se em Flandres o arquiduque D. Felipe com sua mulher a infanta D. Joana no ano 1500, e continuando esta a ser mãe, logrou sucessão varonil, dando à luz um filho que exerceu a grandeza de seus pais, nascido em Gand, dia de S. Matias do ano 1500, e foi Carlos I de Espanha e V do Império da Alemanha. Puseram-lhe o mesmo nome que o do bisavô paterno, Carlos, duque de Borgonha, conde de Flandres, que foi pai de Madama Maria Carolina, mulher do imperador Maximiliano, arquiduque de Áustria, dos quais Maximiliano e Maria, nasceu D. Filipe, pai do nosso Carlos, e por ele entrou em Espanha a augusta casa de Áustria, com os ducados de Borgonha, Bravante, Luxemburgo, Lorena, Linzburgo e Gueldres, com os condados de Flandres, Artois e Tirol, títulos usados pela primeira vez pela nossa rainha D Joana e aumentados por ela no escudo das Armas de Espanha com os brasões de todos os estados referidos. Esta sucessão do filho aos Reinos de Espanha foi prognosticado de algum modo pela rainha D. Isabel, sua avó, pois ouvindo dizer que seu neto tinha nascido em dia e S. Matias, exclamou que lhe tinha caído a sorte, como se verificou pouco depois, porque no mesmo ano morreu o príncipe das Astúrias D. Miguel e recaiu a sorte da herança em D. Joana e em seu filho primogênito.    
                   Os reis católicos destituídos de sucessão nos dois filhos maiores, avisaram a filha D. Joana, que se achava  em Flandres com seu marido, da novidade de ter recaído nela o direito destes Reinos e pediram-lhe para vir à Espanha, a fim de ser jurada princesa de todos eles. Não apressaram a viagem, e logo sobreveio a D. Joana outra gravidez. Em 1501 dava efetivamente à luz uma outra filha, a quem puseram o nome de D. Isabel, que casou depois com o rei da Dinamarca Cristiano II. 
                  Saíram por fim os príncipes para Espanha no fim de 1501, em que estivessem em Paris, sendo muito festejados;  e no começo do ano seguinte chegaram a Fuenterrábia, onde com muitos cavaleiros os estava esperando D. Bernardo Sandoval y Rojas, que os conduziu a Burgos, Valladolid e Madrid à cidade de Toledo, onde se tinham convocado cortes para os jurar príncipes das Astúrias. 
                 Fez-se isto no domingo, 22 de maio de 1502, estando presentes os reis, prelados, grandes e deputados dos reinos de Castela e Leão, com festas muito grandes e continuadas. dali foram os príncipes a Aranjuez, e depois a Aragão, para serem jurados herdeiros daqueles estados, e voltando D. Joana a Castela, teve em Alcalá de Henares um menino em 10 de março de 1503, cujo nome foi D. Fernando, como o rei seu avô. Chegou esta a ser  rei da Hungria, e da Boêmia, por sua mulher Madama Ana, herdeira daqueles reinos, e depois Imperador de Alemanha por renúncia de seu irmão Carlos V. 
                 O príncipe D. Filipe teve que voltar a Flandres, e no ano seguinte, 1504, foi ter com ele sua mulher D. Joana, manifestando já então claramente a sua enfermidade por umas voluntariedades teimosas, que indicavam falta de claridade da razão. Saía a pé de casa e não queria tirar-se donde lhe não competia estar, ainda que fosse à inclemência do frio, como sucedeu em Medina del Campo, onde teve a mão que acudir, apesar de se encontrar adoentada, para a reduzir à razão. Mandou-a depois disso para Flandres, e nunca mais tornou a vê-la, pois faleceu naquele ano, instituindo-a no seu testamento como universal herdeira de todos os seus domínios, e determinando que fosse chamada e reconhecida rainha logo que a mãe falecesse, levantando pendões pela filha na forma do costume, como se começou a praticar em Medina del Campo no mesmo dia da morte da Rainha, 26 de Novembro de 1504, estando presente o rei, e levantando os pendões D. Fradique de Toledo, Duque d'Alva. El-Rei D. Fernando ficou como governador enquanto não chegaram a Espanha os novos reis, que tardaram mais de um ano; mas D. Fernando manteve-se exemplarmente fiel na execução do testamento de sua mulher em favor de sua filha, fazendo com que em Toro se reunissem cortes no princípio de 1505, onde D. Joana foi jurada rainha. Esta, naquele mesmo ano de 1505, deu à luz uma filha, cujo nome foi Maria, que em 1521 casou com Luiz, rei da Boêmia e Hungria. Mas morto este em 29 de Agosto de 1526, sem deixar sucessão, D. Maria não tornou a casar e foi governadora de Flandres em nome de seu irmão Carlos V, deixando fundada a cidade que pelo seu nome se chamou Mariemburgo...
                 O rei D. Fernando continuou governando em nome da filha, como a mãe tinha determinado no seu testamento. Manteve o reino em tranquilidade e para isso foi muito necessária a sua muita prudência, pois se iam complicando as coisas, e não faltaram desenganados, sofrendo desaires, especialmente quando se aproximavam os novos reis. Enquanto estes não chegavam, combinou el-rei o seu casamento em segundas núpcias com Madama Germana, sua sobrinha, filha duma irmã do rei de França, com o qual fez as pazes o de Aragão. Combinou também com seu genro e com sua filha D. Joana o modo de governar estes reinos, dispondo-se por meio de embaixadores, que se fizesse menção nos decretos de todos três, D. Fernando, D. Filipe e D. Joana, cuja concórdia se apregoou a 6 de Janeiro de 1506, levantando-se novamente pendões pelos reis na cidade de Salamanca, onde  D. Fernando se encontrava com a rainha de Nápoles e uma filha. 
                   Os novos reis tiveram, ao vir para a Espanha, a desgraça  de sofrer no mar uma tormenta que os obrigou a tomar terra na costa da Inglaterra... Enquanto isto se passava com D. Joana e seu marido, casou o rei seu pai com Madama Germana na vila de Dueñas nos meados de Março, e deixando-a em Valladoli com sua irmã a rainha de Nápoles e a Infanta, foi receber seus filhos, que em 26 de Abril aportaram à Corunha.  Encontraram-se em Puebla de Sanábria. Falaram logo sobre pontos de governo, mas não se puseram de acordo, até que o arcebispo de Toledo se interpôs na negociação. D. Fernando conheceu a diferença que havia de ontem para hoje, e não achando conveniente continuar nestes reinos, retirou-se para o Aragão. 
                   Chegou emfim a rainha D. Joana a Valladolid com seu marido D. Filipe, e em cortes convocadas naquela cidade, foram reconhecidos reis e seu filho D. Carlos jurado príncipe das Astúrias. Deu então o rei a alguns grandes o tosão, que por este meio e desde então entrou na coroa de Espanha. Os decretos davam-se unicamente com o nome de D. Filipe e D. Joana. Mas os aparatos de reinar duraram mais do que o reinado. Juntou-se o fim com o princípio, pois passando os reis a Burgos, faleceu ali D. Filipe em 25 de setembro de 1506. Ainda não tinha feito 29 anos quando morreu esse a quem chamavam o Formoso, duma febre aguda no corpo, por espaço de seis dias. O seu corpo esteve depositado em várias partes, até que o transladou para Granada seu filho Carlos V. A rainha D.Joana abandonou-se a uma dor tão grande com a morte do rei, que mais se lhe obscureceu o uso da razão, pelo que vulgarmente é chamada D. Joana a Louca. O governo esteve nas mãos do arcebispo de Toledo, o senhor Cisneros e em outros do conselho, até que voltou o rei D. Fernando de Aragão.  A rainha tinha ficado grávida, e não obstante a sua excessiva dor, deu à luz o seu último fruto, pois não quis conhecer outro marido, em 14 de janeiro de 1507, em Torquemade; essa filha veio a chamar-se D. Catarina e chegou a ser rainha de Portugal, mulher do rei D. João II. 
                    D. Joana continuou a dar mostras de lhe faltar o uso da razão. Não queria firmar documentos, de modo que os negócios estavam parados e em completa desordem. Havia muita necessidade do rei católico, e este, esquecendo generosamente ingratidões passadas, voltou a governar o reino em nome de sua filha. O rei foi com ela a Burgos e ficando a rainha em Arcos, passou o rei à cidade, donde ia com frequência visitar a filha. Esta não queria sair donde estava,e quando o pai, tendo que passar à Andaluzia, a quis por em lugar mais seguro, não houve modo de convencê-la. A estada naquele lugar não era favorável à sua saúde e ela mesma aumentava a incomodidade, andando mal vestida, ou para dizer melhor, quase nua, mas sem se deixar ver a ninguém, de maneira que alguns criam que ela já tinha morrido. O pai voltou ali da Andaluzia no ano seguinte de 1509, e tanto por estas incomodidades como pela pouca segurança que achava no Condestável, a quem com o almirante tinha encomendado a guarda da pessoa da rainha, resolveu passá-la para Tordesilhas, usando para isso de todo o seu valimento para com a filha, e de muita arte. Para isso, depois de a ter tratado uns dias com amor, entrou-lhe no quarto três horas antes de amanhecer, para que o dia lhe não servisse de desculpa, pois não queria sair senão de noite, e conseguiu convencê-la a partir e a levar vestidos correspondentes à sua real dignidade. Levaram consigo o corpo do rei D. Filipe, que a rainha não quis apartar de si, e colocaram-no em Santa Clara de Tordesilhas, ficando a rainha no palácio, donde podia ver o túmulo do marido, e não se moveu dali todo o resto da sua vida, que passou de 47 anos, sem se importar com o governo da nação; antes pelo contrário, continuando sempre na sua fraqueza de juízo, aborrecia tudo quanto lhe parecesse a reinar. Deste modo, apesar de se fazer menção do seu nome nos decretos de seu filho D. Carlos, quando este começou a reinar, não se contava a sua determinação, porque a não tinha. A esta infelicidade acrescentou outras de não comer algumas vezes em sessenta horas, nem dormir, vestindo tão pobre e desastradamente que o rei, seu pai, foi ter com ela em 1510 para ver se conseguia convencê-la a vestir-se dum modo mais decoroso. 
                 Chegou emfim o fatal dia para o rei seu pai, pois quando ia de Placência para Sevilha faleceu no pequeno lugar de Madrigalejo, em 22 de Janeiro de 1516. O seu corpo foi transportado para Granada. No testamento indicou por herdeiro a sua filha D. Joana e ao neto D. Carlos, que estava em Flandres e há uma cláusula  no testamento em que se reconhece a impossibilidade de sua filha para o governo. 
                 O príncipe D. Carlos soube logo da morte do rei católico, e feito o funeral em Bruxelas, com toda a solenidade, foi ali aclamado rei, no mesmo dia, com sua mãe joana de que sempre se faz menção em primeiro lugar, por ser a primeira no direito. Essa aclamação realizou-se no dia 5 de Abril de 1516. A rainha continuou como dantes no seu isolamento. O imperador visitou-a algumas vezes, e fazendo testamento, antes que a mãe falecesse, e nele pôs esta cláusula: "Mando ao sereníssimo príncipe meu filho que enquanto viver a sereníssima e mui alta e mui poderosa rainha, minha senhora mãe, reine juntamente com ela, do mesmo modo que eu fiz e faço presentemente." Deu-se isto no ano 1554, e não teve efeito, por falecer a rainha antes de D. Carlos V. Morreu no ano seguinte em Tordesilhas, na quinta-feira-santa, na noite de 11 de Abril de 1555, tendo tido a fortuna de se lhe acalmarem as faculdades no último transe e de ter a seu lado em tão oportuna ocasião o santo duque de Gândia,  S. Francisco de Borja. Morreu na avançada  idade de 76 anos, tendo nascido no ano de 1479 e usado o nome de rainha durante cinquenta anos. O seu cadáver foi transportado para Granada, onde descansa com o de seu esposo e de seus pais. Foi sem duvida nenhuma muito feliz na sucessão, por ter sido mão de dois reis, um de Espanha e outro de Hungria, que foram imperadores, e mãe de quatro filhas, rainhas de França, Dinamarca, Boêmia, Hungria e Portugal. Mas não gozou daquela felicidade, por Deus a ter posto num estado que parece vivo modelo do pouco fundo em que assentam as maiores glórias desta vida. É efetivamente coisa deveras lamentável ver uma princesa senhora de tão grandes  e tão florescentes estados, nascida para governar  tantos reinos, não só na Europa como no Novo Mundo, vê-la, digo, incapaz de governá-los e de governar-se a si mesma, posta em mãos alheias como uma criancinha. Talvez fosse por isso que ela tomou ou que lhe aplicaram um emblema formado por um pavão real sobre um globo terrestre com a divisa Vanitas, pois toda aquela formosura, todo aquele grande poder, representados na ave e no mundo, vinham a dar uma verdade, isto é, em falta de bens duradouros. A beleza. a pompa, e a ostentação da ave abatem com a vista dos pés: na nossa rainha morreram pela cabeça. 
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Este texto foi escrito pelo padre Henrique Florez e retiramos de suas (Memórias das Rainhas Católicas)
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BREVE BIOGRAFIA DO AUTOR 
              O padre Henrique Florez foi um grande teatrólogo e historiador espanhol. Nasceu em Valladolid a 14 de Fevereiro de 1701, e morreu em Madrid em 1773. As suas principais obras são: La Espanha Sagrada, 1747, obra muito importante pela sua rica documentação; Llave historical, con que se abre la puerta à la História eclesiástica e polýtica, 1743; e Memórias de las reinas católicas, 1761. 
Nicéas Romeo Zanchett 



CONTINUO EM SEGUIDA. 

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