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quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

O ABANDONO DE MEDEIA - de O Velo de ouro


RESUMO 
Jasão voltando triunfante da sua expedição à Colchida, onde desposou Medeia, vem a Corinto, para junto do rei Creon. Lentio Pelias tinha-o mandado à conquista do Vélo de ouro para o afastar de si, como herdeiro  perigoso, e acaba de morrer misteriosamente. O povo atribui a sua morte à mágica de Colchida e um crente vem a Corinto dizer-lhes que estão proscritos do país. Creon, que deseja ligar sua filha Creuse com Jasão, o que quer é apenas o auxílio de Medeia. Jasão por seu lado vai-se esquecendo do que deve a Medeia e a sentir abrir-se um abismo entre o heleno civilizado e aquela bárbara de Colchida. A pobre esposa vem instar pela última vez com o ingrato para que o acompanhe no exílio.
Por Franz Grillparzer 

O ABANDONO DE MEDEIA 
(de O Velo de ouro)
Medeia (depois que Creon se retirou) - Bem, ele foi-se! Já nenhum estranho nos incomoda, nenhum outro se estreita entre o marido e a mulher, podemos falar como no-lo ordena o nosso coração, e dizer-me agora: o que tencionas fazer?  
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Jasão - Bem o sabes. 
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Medeia - Sei o que tu queres, não sei o que tu pensas. 
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Jasão - Basta a minha vontade, pois que ela decide. 
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Medeia - Então devo partir? 
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Jasão - Sim, partir!
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Medeia - Hoje mesmo? 
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Jasão - Hoje! 
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Medeia - Tu falas e ficas calmo diante de mim? E a vergonha não faz baixar-te os olhos, a tua fronte não cora?
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Jasão - Deveria corar, sim, se falasse doutra manira. 
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Medeia - está bem! não fales nunca doutro modo quando quiseres desculpar-te perante os outros, mas, diante  de mim, deixa essa máscara vão!
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Jasão - E ao horror pelos crimes chamas tu uma máscara vã!  O mundo condena-te, os deuses condenaram-te e mais não faço que abandonar-te à sua sentença, porque na verdade ela não te atinge sem que a tenhas merecido. 
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Medeia - Mas quem é então este homem puro a que estou falando? Não é Jasão? Jasão será tão inocente? Mas, homem inocente, não vieste tu à Colchida e não pediste, coberto de sangue, a mão da filha do seu rei? Homem inocente! não mataste tu meu irmão? Meu pai não sucumbiu aos teus golpes, homem puro, homem inocente? Não abandonaste a mulher que roubaste, homem inocente? Monstro, infame que tu és!
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Jasão - Insultos... não me convém ouvi-los; sabes agora oque tens a fazer, adeus pois!
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Medeia - Não, não o sei ainda, por isso fica até que o saiba. Fica. Serei tranquila, tranquila com tu estás. É então o exílio que me cabe em sorte? E o que te cabe a ti? Parece-me que também tu foste atingido pela sentença do arauto. 
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Jasão - Logo que se souber que eu estou inocente da morte de meu tio, o exílio será levantado. 
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Medeia - E viverás tranquilo e alegre dai em diante? 
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Jasão - Viverei no isolamento, como convém aos infelizes. 
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Medeia - E eu?
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Jasão - Tu, tu suportarás a sorte que a ti mesmo preparaste. 
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Medeia - Que preparei? Será tão inocente, tu?
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Jasão - Sim, sou-o!
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Medeia - E tu não pediste a morte de teu tio? 
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Jasão - Não a precipitei! 
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Medeia - Tu não me tentaste? 
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Jasão - A primeira cólera na sua efervescência lança muita ameaça que não cumpre depois de madura reflexão. 
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Medeia - Dantes acusavas-te a ti mesmo...
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Jasão - Não é o pensamento que se pune, é o ato.
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Medeia (vivamente) - Mas eu não o cometi!
Jasão - Quem foi então? 
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Medeia - Não fui eu! Escuta, meu esposo, e julga-me depois. Quando me aproximei da porta para ir buscar o velo, o rei estava sobre o seu leito; ouvi gritar, voltei-me e vi-o levantar-se do leito, chorando, debatendo-se e estorcendo-se. "Tu vens, irmã, grita ele, para te vingares,para te vingares de mim? Tu vais morrer mais uma vez, mais uma vez ainda!" Deu um salto e agarrou-me,a mim que levava o velo nas mãos. Tremia toda, chamando em meu auxílio os deuses que conheço e estendia diante de mim o velo, como se fosse um escudo. Então as contrações da loucura fazem-lhe contorcer as feições, arranca bramindo os panos que lhe cobrem as veias, elas abrem-se-lhe e o sangue espadana-lhe com abundância, e quando olho ao redor de mim, gelada de pavor, o rei está deitado a meus pés, banhado no sangue, inteiriçado, morto.
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Jasão - E tu atreves-te a confessa-mo? Mágica,celerada! Afasta-te de mim! Foge! metes-me horror! Para que te vi eu!
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Medeia - Não o sabias tu? A primeira vez que me viste, foi nas minhas funções de sacerdotisa e não obstante desejaste-me, perseguiste-me. 
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Jasão - Eu era moço, era louco e temerário, mas o homem rejeita o que agrada às crianças. 
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Medeia - Oh! não insultes os anos dourados da juventude! A cabeça é arrebatada, mas o coração é bom! Ah! como era bem melhor para mim que fosses aquele que foste! Volta um único passo a esse belo tempo em que no meio da fresca verdura da nossa mocidade nós nos encontramo sobre as margens floridas de Phasis. Como a tua alma era aberta e clara! a minha era mais sombria, mais fechada; mas penetraste-la com a tua doce luz e as trevas do meu coração iluminavam-me num vivo clarão.  Então fui tua e tu foste meu. Ó Jasão! está tão perdido para sempre esse belo tempo?  os cuidados da casa, do lar, do renome e da glória, mataram então para sempre essas belas flores que nasciam da árvore da juventude?  
Olha! na minha dor, na minha miséria lembro-me ainda muitas vezes dessa bela primavera, e sinto-lhe a brisa tépida soprar-me ainda no rosto. Se achaste então Medeia meiga e digna de ser amada, como se tornou agora para ti medonha e odiosa? Tu conhecias-me e todavia procuraste-me; tomaste-me tal! como eu era, conserva-me contigo tal como eu sou!
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Jasão - Não pensas nas coisas que depois aconteceram. 
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Medeia - Elas são horríveis, sim, concebo! Procedi mal com meu pai, mal com meu irmão, e condeno-me a mim própria por isso; que me castiguem, expiarei de bom grado as minhas culpas! mas não es tu que me deves castigar, não és tu, Jasão, porque o que fiz fi-lo por amor por ti. Vem, fujamos juntos, fujamos unidos. 
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Jasão - E para onde? 
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Medeia - Que importa! 
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Jasão - Tu deliras e censura-me por não delirar contigo. Tudo está acabado! Os deuses maldisseram a nossa união, porque ele começou por crimes atrozes, porque medrou e se alimentou com assassinos. Vá que não tenhas matado o rei, mas quem estava lá? quem te viu? quem há de crer-te? 
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Medeia - Tu! 
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Jasão - E quando eu acreditasse, que posso eu? Cedamos ao destino, não o afrontemos! Que cada um de nós aceite o castigo para expiar os seus crimes, tu fugindo daqui, visto que não podes ficar, eu ficando, quando quereria fugir. 
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Medeia - Não escolheste para ti a parte mais pesada! 
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Jasão É então tão agradável viver como estranho sob um teto estranho, da esmola de uma piedade estranha? 
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Medeia - Se achas isso tão desagradável, para que não escolhes a fuga? 
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Jasão - Para onde fugir, e como? 
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Medeia - Menos inquietação sentiste quando vieste da tua pátria até a Colchida, perseguindo uma vã glória sobre uma terra longínqua. 
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Jasão Já não sou aquele que era, a minha força está quebrada e no meu seio extinguiu-se-me a coragem. A ti  devo tudo isto; a lembrança do passado pesa como chumbo sobre a minha alma inquieta, não posso elevar nem os meus olhos nem o meu coração. E depois a criança agora  fez-se homem, já não brinca puerilmente com as flores, procura os frutos, a realidade, o sólido. Tenho filhos e não tenho terra para eles; tenho de adquirir um domínio para os meus descendentes. Pois a raça de Jasão, como uma erva seca, há de ficar à borda da estrada, calcada pelo viajante? Se tu me amaste algum dia, se te fui caro, mostra-o restituindo-me a mim próprio, concedendo-me um túmulo na terra da minha pátria!
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Medeia - E sobre a terra da tua pátria um novo leito conjugal! Não é assim? 
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Jasão - Que queres dizer com isso?
Medeia - Pois não o ouvi eu chamar-te seu parente, seu filho, seu genro? Creuse seduz-te e é por isso que ficas. Não é por isso? Possuo-te eu então? 
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Jasão - Nunca me possuíste e tão pouco me possues  agora. 
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Medeia - Eis como tu queres expiar os teus crimes! E é para isto que Medeia se deve separar de ti?  Pois não estava eu ao pé de vós, banhada em lágrimas, quando tu recordavas junto dela os anos decorridos, suspendendo-te a cada passo, demorando-te com delícias, perdido no eco das recordações? Mas eu não hei de partir, não!
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Jasão - Sempre injusta, sempre áspera, sempre arrebatada! 
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Medeia - Injusta! Então tu não a desejas para mulher? Responde-me que não!
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Jasão - Procuro um lugar onde repousar a cabeça, mais nada; o que se seguirá a isto, ignoro-o!
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Medeia - Mas sou eu que o sei, e espero impedi-lo se um deus me prestar o seu auxílio.
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Jasão - Tu não podes falar com calma, adeus pois! (afasta-se). 
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Medeia - Jasão!
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Jasão - (volta-se) - Que é?
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Medeia - É a última vez naturalmente, a última vez que nos falamos! 
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Jasão - Separemo-nos então sem ódio nem rancor. 
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Medeia - Impeliste-me ao amor e foges agora? 
Jasão - Assim é preciso! 
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Medeia - Roubaste-me meu pai e roubas-me ainda o esposo? 
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Jasão - É constrangido que o faço!
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Medeia - Meu pai caiu aos teus golpes, tirastes-mo, e foges-me? 
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Jasão - Se caiu, a culpa não foi minha. 
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Medeia - Deixei a minha pátria para te seguir. 
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Jasão - Foi a tua própria vontade que seguiste, e não a mim. Se te tivesses arrependida, estaria pronto a deixar-te voltar. 
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Medeia - O mundo maldiz-me por tua causa, por tua causa eu me abomino a mim mesma, e abandonas-me?
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Jasão - Eu não te abandono; uma força maior me separa de ti. Se perdeste a tua felicidade, onde está a minha? Aceita a minha miséria como compensação para a tua!
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Medeia - Jasão (Cai de joelhos). 
Jasão - Que vem a ser isso? Que me queres tu ainda? 
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Medeia (erguendo-se) - Nada! Passou!... Perdoai-me,meus pais, perdoai-me, altivas divindades da Colchida, por me ter envilecido a mim próprio envilecendo-vos a vós! Um interesse supremo estava em jogo. Agora pertenço-vos (Jasão afasta-se para partir). 
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Medeia - Jasão!
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Jasão - Não pense mover-me!
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Medeia - Não penses tu que o pretendo. Dá-me os meus filhos!
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Jasão - Os filhos? Nunca! 
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Medeia - São meus! 
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Jasão - Dá-se-lhes o nome do pai, e o nome de Jasão não deve adornar bárbaros; eu os educarei aqui, num mundo civilizado. 
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Medeia - Escarnecidos por seus irmãos, os filhos duma madrasta? Eles pertencem-me! 
Jasão - Não faças com que a minha piedade se transforme em ódio! Acalma-te, só isso suavizará a tua sorte. 
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Medeia - Pois bem! seja! quero  usar ainda de súplicas! Meu esposo!... Mas não, já o não és! Meu amigo!... Mas não, nunca o foste! Homem!... Será um homem e faltarás à tua sagrada palavra?! Jasão!... bff... é o nome de um traidor! Que nome te hei de eu dar, infame?... Homem bom, homem clemente! Dá-me os meus filhos e deixa-me partir!
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Jasão - Não posso, já te disse, não posso!
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Medeia - Pois tu serás tão cruel! Roubas à esposa o esposo e agora recusa até à mãe os seus filhos!
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Jasão - Pois bem! seja! Para que reconheças que sou justo, uma das crianças há de partir contigo! 
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Medeia - O que! só uma? uma só?
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Jasão - Não exijas demais! Este pouco já é quase uma transgressão do meu dever. 
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Medeia - E qual é ele? 
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Jasão - As crianças tem de escolher; aquele que quiser ir contigo, que parta ma tua companhia!
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Medeia - Oh! mil vezes obrigado, homem bom! homem clemente! Não há dúvida que mente todo aquele que te chama traidor (Aparece o rei). 
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Jasão - Vem, ó rei!
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O Rei - Está então acabado? 
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Jasão - Ela vai-se. Dou-lhe um dos filhos. (A um escravo que veio com o rei:) - Vá depressa, traze-nos os pequenos. 
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O Rei - Que fazes? Ambos eles ficarão aqui! 
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Medeia - O que me parece tão pouco parece-te demais? Teme os deuses, homem severo! 
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O Rei - Os deuses também são severos para o crime. 
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Medeia - Mas eles vêem também o que nos levou ao ato. 
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O Rei - São os maus instintos do coração que nos levam a praticar o mal. 
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Medeia - E o que ainda leva à falta, não contas isso para nada? 
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O Rei - Sou um juiz severo para mim próprio, por isso o posso ser para os outros.
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Medeia - Punindo os crimes, tu cometê-los. 
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Jasão - Não quero que diga que fui cruel para ela, por isso lhe deixei um dos filhos como uma doce consolação para a mãe na dor e no sofrimento (Creuse vem com as crianças.)
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Creusa - Pedem as crianças, disseram-me. Que querem delas: Que vai passar-se? Oh! vê, elas amam-me, ha tão pouco que chegaram, como se nos tivéssemos visto e nos conhecêssemos já ha anos. As minhas doces palavras, desconhecidas dos pobres pequenos, captaram a sua estima como ele captaram a minha pelo seu infortúnio.
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O Rei - Um dos filhos deve seguir a mãe. 
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Creusa - Deixar-nos? 
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O Rei - Sim, o pai assim o quer. (A Medeia, que ficou abismada nos seus pensamentos). Ai estão as crianças, vamos! que escolham!
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Medeia - Os meus filhos! Sim são-no! a única coisa que me resta sobre a terra. Deuses! os pensamentos criminosos que tive ao princípio, esquecei-os, e deixai-me com ambos! Então partirei, louvarei a vossa bondade, perdoar-lhe-ei a  ele e... não a ela, não!... a ele também não! Vinde aqui, meus filhos! ... Porque ficais aí, apertados de encontro ao seio pérfido da minha inimiga? Oh! se soubesses o que ele me fez, armarias as vossas mãozinhas, os vossos fracos dedos curvar-se-iam como garras para dilacerar esse seio  a que agora vos apertais. Queres seduzir os meus filhos? Larga-os, anda!
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Creusa - Desgraçada! Mas eu não os detenho.
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Medeia - Com as tuas mãos, não, sem dúvida, mas detém-los, como o pai, com os teus olhares falsos e hipócritas. Ris? Hás de chorar ainda, afirmo-te!
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Creusa - Oh! que os deuses me punam, se estou a rir. 
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O Rei - Não empregues a cólera e os insultos, mulher! Faze com calma o que se te concede, ou parte! 
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Medeia - Admoestas-me com razão, ó rei justo, mas não com tanta bondade, como justiça; mas que? talvez! sim, és uma coisa ou outra! Vede, meus filhos, mandam vossa mãe embora daqui, para muito longe, além dos mares e das serras, quem sabe para onde? Mas estes homens bons, vosso pai e este bom, esse justo rei que aí está, permitiram à mãe que levasse com ela na sua longa viagem um dos seus filhos, um único. Deus poderoso, ouvis? um único!... Que aquele pois de vós que me ama mais venha ter comigo, porque não o podereis fazer ambos. O outro deve ficar ao pé de seu pai e junto da filha pérfida do homem pérfido!... Ouvis? Porque hesitais? 
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O Rei - Eles não querem! 
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Medeia - Mentes, rei falso e injusto! Eles querem, mas tua filha seduziu-os! Não me ouvis?... Ó a infame! a horrível! maldição da mãe, retrato do pai! 
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Jasão - Eles não querem! 
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Medeia - Fase com que se vá! As crianças amam-me, não sou eu a mãe? Mas ela faz-lhes sinais e puxa-os para longe de mim. 
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Creusa - Retiro-me e imediatamente aparecerá a falsidade das tuas suspeitas. 
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Medeia - Vinde, vinde agora!... para junto de mim!... raça de víboras! (Dá alguns passos para eles, as crianças refugiam-se para junto de Creuse). Eles fogem-me! Fogem!
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O Rei - Vejo agora, Medeia, que as crianças não querem ir; parte, pois! 
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Medeia - Não querem ir? Os filhos não querem a mãe? Não é verdade, é impossível!... Aeson, meu filho mais velho, meu favorito! vê, tua mãe chama-te, vem para o pé dela! Nunca mais serei rude nem severa! Serás o meu tesouro mais precioso, o meu único bem! Escuta tua mãe! vem!... Ele afasta-se! não vem! Ingrato! Retrato do pai! Fica, fica, não te conheço!... Mas tu, Absyrtus! meu filho, que tanto sofri por ti, onde revivem as feições do irmão que eu choro, meigo e calmo como ele, vê, tua mãe está aqui de joelhos e implora-te. Não a deixes suplicar em vão! Vem, vem, meu Absyrtus! Vem para o pé de tua mãe!... Ele hesita!... Também tu não queres!... Quem me dará um punhal? Um punhal para mim e para eles! (Levanta-se num salto). 
Jasão - Não te queixes senão de ti própria; só a tua natureza violenta afastou de ti esses pequenos, impelindo-os para onde está a ternura. Foram os deuses que os roubaram. Parte, pois, eles ficarão aqui. 
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Medeia - Filhos, escutai-me!
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Jasão - Vês bem que eles não te escutam. 
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Medeia - Filhos! 
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O Rei (a Creusa) - Leva-os outra vez para o palácio! Não convém que eles odeiem aquela que os deu à luz. (Creusa com as crianças volta-se para o salão).
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Medeia - Eles fogem! Os meus filhos fogem de mim!
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O Rei (a Jasão) - Vem! É estéril deplorar o inevitável. (Saem).
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Medeia - Meus filhos! Filhos! (Entra a velha Sora, a ama de Medeia).
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Sora - Domina-te! Não dês aos teus inimigos o espetáculo do seu triunfo!
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Medeia (lançando-se por terra) - Estou vencida, aniquilada, esmagada! Eles fogem de mim, fogem de mim!
Os meus filhos fogem!
Sora - (inclinada sobre ela) - Não morras!
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Medeia - Deixa-me morrer! os meus filhos! (O pano cai).
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F I M


BREVE BIOGRAFIA DO AUTOR 
         Franz Grillparzer, poeta e dramaturgo, nasceu em Viena a 15 de Janeiro de 1791, e morreu em de Janeiro de 1872. Tendo perdido seu pai em 1809, fez-se perceptor para sustentar a família. Em 1813 entro na administração das finanças, e em 1833 foi nomeado diretor dos arquivos . Em 1861 recebeu do título de Conselheiro do Império.Os seus funerais só tiveram símile nos de Klopstock em Hamburgo. Estreou-se no teatro com uma peça romântica, escrita  em duas semanas, Die Ahnfrau (A avó), 1817. 



quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

O CRIME DE CLITEMNESTRA - Por Eschilo (Ésquilo) - (Do Agamenon)


(Clitemnestra recebe Agamenon no seu regresso do cerco de Troia; este vem acompanhado de Cassandra, filha de Priamo, e prisioneira).
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PRIMEIRA CENA 
Clitemnestra - E agora, meu amado apeia-te do carro; mas não pouses sobre a terra, ó meu rei, esse pé que subjugou Ilion. E vós, escravos, porque tardais? Não vos ordenei já que cobrisses de tapetes o caminho que ele deve percorrer? Apressai-vos; que a púrpura se estenda sob os seus passos; que ele seja dignamente recebido neste palácio onde ninguém o esperava mais ver. O resto diz-me respeito; com o auxílio dos deuses, cumprirei a vontade do destino. 
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Agamenon - Filha de Leda, guarda da minha casa, fizeste-me um belo discurso sobre a minha ausência; ele foi bem comprido!Mas os louvores legítimos são antes aqueles com que os outros nos honram.  Demais, para que tratar-me assim, à maneira das mulheres?  para que me saudar, como um rei bárbaro, com adorações e gritos?  Esses tecidos estendidos sobre a minha passagem fariam de mim um objeto de inveja. É aos deuses que está reservada uma tal homenagem. Um mortal caminhar sobre a púrpura ricamente bordada! Isso não é para mim.  É como homem que me devem honrar, não como deus. Não há mesmo necessidade de tapetes, de preciosos ornamentos, para excitar os murmúrios populares; e depois, a moderação da alma é o dom mais belo do céu. Não chamemos feliz senão àquele que acabou os seus dias numa tranquila prosperidade. Possa eu então, sempre vitorioso,passar minha vida sem desgostos! 
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Clitemnestra - Ah! não resistas ao meu desejo.
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Agamenon - Não, a minha resolução é inabalável. 
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Clitemnestra - É um voto arrancado pelo medo?
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Agamenon - Não é sem razão que assim procedo. 
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Clitemnestra - Que faria Priamo, se vencesse? Que te parece? 
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Agamenon - Teria, segundo penso, caminhado sobre a púrpura. 
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Clitemnestra - Cessa então de temer a censura dos homens. 
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Agamenon - A opinião pública é tão poderosa! 
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Clitemnestra - Quem é invejado não é digno de inveja. 
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Agamenon - A teimosia não fica bem a uma mulher. 
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 Clitemnestra - Mesmo para um vencedor, é belo algumas vezes deixar-se vencer. 
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Agamenon - Tens então grande desejo de vencer? 
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Clitemnestra - Sim; concede-me essa vitória. 
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Agamenon - Bem, que me tirem então estas sandálias... É bom que, quando for a andar sobre estes tecidos de púrpura, nenhum deus do alto do céu me deite um olhar de inveja. Seria uma vergonha calçar aos pés, estragar tesouros, tecidos que custaram tanto. - Mas deixemos este assunto. (mostrando Cassandra). Acolhe com bondade esta estrangeira; aquele que sabe ser senhor com ternura agrada sempre aos deuses; porque ninguém se submete voluntariamente ao jugo da escravatura. Esta cativa que me seguiu, é a flor que escolheram entre os despojos de Troia, é o presente que me deu o exército - Já que mudei de opinião, tenho de obedecer; entro no palácio, vou caminhar sobre a púrpura. 
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Clitemnestra - Ha o mar, e quem o podia esgotar? o mar onde se forma o eterno manancial dessa púrpura tão preciosa, das tintas desses tapetes. O palácio, graças aos deuses, está cheio destes tesouros; a nossa morada, ó rei, não conhece a pobreza. Ah! quantos ricos tecidos eu não consentiria em ver calçar aos pés, se os oráculos o tivessem exigido para regresso desta querida alma! Enquanto a rais vive, a folhagem cresce, e a sua sombra protege a casa dos ardores caniculares. A tua volta ao lar doméstico, a presença do esposo na sua casa, é o raio de sol no inverno, é uma fresca brisa nestes dias em que Júpiter faz vinho de cachos verdes. Júpiter, onipotente Júpiter! pensa no cumprimento dos teus decretos!
(Agamenon e Clitemnestra entram no palácio.) 
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O coro - Donde vem essa imagem que me oprime o coração, que o enche de funestos pressentimentos, esse oráculo que não fui invocar e cuja voz não paguei? Por que é que não posso deitá-lopara longe, como um sonho inexplicável, e deixar vir à minha alma o repouso e a esperança? O tempo correu desde  o dia em que , do alto da proa, a frota guerreira lançou a âncora sobre a areia e correu para Ilion. Os meus olhos noticiam a sua volta; e todavia o meu coração recusa entregar-se completamente à espera; ressoa em mim um canto inspirado, o hino que a lira não acompanha, o canto fúnebre da Erinnis! O grito das entranhas não é vão; estas agitações, estas angústias, são o pressentimento da expiação que se aproxima. Possa o céu desmentir uma parte pelo menos do meu temor, e não cumprir o vaticínio! A saúde mais florescente acaba sempre no meio de dores Inexprimíveis; a doença lá está sempre a ameaçar, vizinha de que nos separa um muro apenas. Um prudente temor sacrifica alguma coisa da carga da opulência; esta perda basta, mesmo ligeira, e a família escapa ao naufrágio apesar do assalto do infortúnio, e o navio não é tragado pelas vagas. Os dons abundantes de Júpiter são o remédio seguro da fome. Mas o negro sangue do assassínio, esse sangue que correu do corpo da vítima, uma vez caído sobre a terra, que milagre o introduziria outra vez nas veias? Júpiter não castigou outrora, sábia providência, aquele cuja arte sabia reanimar os mortos? Dois destinos foram determinados pelos deuses. Ah! se eu pudesse sacrificar um ao outro!
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Clitemnestra (saindo do palco) - Entra conosco, Cassandra. Foi Júpiter quem quis; tu vais, neste palácio, partilhar da fácil condição das nossas numerosas escravas. Desce então do carro, e deixa essa altivez, que te fica agora mal. O filho de Alcmene, ao que se diz, foi vendido como cativo; cedeu à força, resignou-se a sofrer o jugo. Quando a necessidade nos reduz a uma tal condição, senhores ha muito acostumados à opulência são o melhor dos bens. Mas os que acabam de fazer uma feliz colheita,são sempre duros, sempre injustos para os seus escravos. Entre nós tu serás tratado como convém. 
O coro (a Cassandra) - A rainha já te disse claramente o que tinhas a esperar. Obedece, pois. Mas que? tu não queres ouvir-me? 
. Clitemnestra - Se a sua linguagem não é, como a da andorinha, uma linguagem desconhecida e estranha, as minhas palavras penetram com certeza o seu coração, e ela vai obedecer-me. 
O coro (a Cassandra) - Segue-a. Na tua situação não podias ouvir melhores palavras. Obedece, desce do carro. 
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Clitemnestra - Não tenho tempo para estar aqui à espera dela. Já ao pé do lar doméstico se juntam os cordeiros que vamos imolar aos deuses - ação de graças por uma felicidade que não esperávamos. Tu, Cassandra, se queres vir, não tardes. Ou, se não entendes a nossa língua, se as minhas palavras não tem sentido para ti, faze como os bárbaros, responde ao menos por sinais. 
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O coro - A estrangeira tem precisão, ao que parece, dum intérprete. Ela é selvagem, como uma fera que se acaba de apanhar.
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Clitemnestra - Sim, ela está no delírio, é a insensatez que ela escuta, essa mulher que viu tomar a sua cidade, e que trouxeram aqui cativa. Ela não saberá afazer-se ao freio, sem que o tenha coberto duma escuma sangrenta. Mas eu é que não me abaixarei mais a falar-lhe. 
(Entra no palácio) 
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O coro - Tomado pela piedade, não posso testemunhar-lhe cólera. Anda, desventurada, deixa esse carro, cede à necessidade, habitua-se ao jugo! 
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Cassandra - Deuses imortais! deuses imortais! Ah! céu! terra! Apolo! Apolo!
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O coro - Para que esses gritos de dor dirigidos a Loxias? Esse deus não quer lamentações. 
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Cassandra - Deuses imortais! deuses imortais!  Ah! céu! terra! Apolo! Apolo!
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O coro - Ei-la que geme ainda; invoca de novo o deus que não gosta de nos assistir nas lágrimas.
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Cassandra - Apolo! Apolo! Deus que me arrastas! Deus que me perdes! Mais uma vez vou sofrer a tua crueldade! 
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O coro - Diria que quer predizer os males que a esperam. Mesmo escreva, mantem-se na sua alma o sopro divino. 
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Cassandra - Apolo! Apolo! Deus que me arrastas! Deus que me perdes! Ah! para onde me trouxeste tu? para que palácio? 
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O coro - Para o palácio dos Atridas. Se ainda o não sabes, fica-o sabendo agora; é a verdade.
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Cassandra - Ah! palácio odiado dos deuses, cúmplice de tantos assassínios! Cordas fatais! Esposo assassinado! Solo coberto duma chuva sangrenta!
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O coro - A estrangeira tem faro do cão; segue a pista  dum assassino e vai descobri-lo.
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Cassandra - Ah! eu creio nestes testemunhos! essas crianças a quem degolam e que choram; essas carnes que seu pai pôde comer!
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O coro - Sim, aqui tinha chegado até nós essa fama, tu tens o dom dos oráculos. Mas para que precisamos nós de profetas?
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Cassandra - Ai! deuses imortais! o que é que se prepara ainda? Qual é esse novo crime, esse crime terrível que se prepara nesta casa? atentado odiado contra os próprios amigos; chega ser difícil de sarar; o remédio está longe! 
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O coro - Nada percebo desses últimos oráculos; o resto toda a gente sabe. 
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Cassandra - Ah! infeliz, tu vais então perpetrar o crime! Vais fazê-lo entrar no banho, esse esposo que partilhou do teu leito; vais tu própria lavá-lo! - Como acabar? - Depressa será! 
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O coro - Não compreendo mais; esses oráculos estão cercados de enigmas...
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Cassandra - Deuses! deuses! ai! ai! que vejo? - É uma rede do inferno? - Sim, uma rede! é o véu que outrora protegia o sono, é o cúmplice do assassino! Fúrias insaciáveis do sangue desta raça, erguei o grito de triunfo; o execrável sacrifício vai consumar-se! 
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O coro - A que Erinnis te referes? As tuas palavras perturbam a minha alma. O sangue reflui-me para o coração, e gela; é como se uma lança me estivesse a penetrar, é como a nuvem que obscurece os raios de luz duma vida agonizante...
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Cassandra - Ah! ah! lá estão eles! lá estão eles! Afastai o touro para longe da bezerra. - Ela agarra-o, o touro de negros cornos, deita-lhe o laço, fere-o. Ele cai na tina que a água enche, na tina da morte e da traição!
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O coro - Não quero gabar-me de ter habilidade para interpretar oráculos; mas nestes oráculos, entrevejo desgraças. E que oráculo anunciou já algum dia uma felicidade aos mortais? 
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Cassandra - Ai! desgraçada! Que destino o meu! porque também choro e lamento a minha desventura. Desgraçada! aonde me levaste? à morte contigo, sim, à morte!
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O coro - Um furor divino transporta a tua alma; tu cantas o canto da própria desventura; és como a ave de plumagem escura, de acentos infatigáveis, Filomela, que do fundo da sua alma desolada, ergue o seu lamento contínuo; Itis! Itis!
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Cassandra - Ai! ai! sorte feliz a da harmoniosa  Filomela! Os deuses revestiram-na dum corpo alado; a sua vida é doce e sem lágrimas; mas eu terei a morte pelo ferro; eis o meu destino! 
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O coro - Donde vem esses transportes misteriosos, essas angústias sem objeto? Quem conduz assim, a tua marcha profética, através dos sinistros oráculos? 
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Cassandra - Ó núpcias de Páris! núpcias fatais! Ó Scamandro, rio da minha pátria! Outrora, a minha infância passou-se nas tuas margens; e dentro em pouco é sem dúvida nas margens do Cocito, do Acheronte, que ou fazer os meus oráculos! 
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O coro - Ah! essas palavras fazem-me bem entender; uma criança mesmo as compreenderia.Uma mordedura sangrenta rasga-me a alma, alanceia-me o grito gemente do teu infortúnio, o acento do teu sofrimento. 
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Cassandra - Ó fadigas de Ilion! ó sacrifícios que meu pai ofereceu ao pé das muralhas! inúmeras hecatombes! Remédios sem efeito, porque Ilion já não existe, e eu, a sacerdotisa inspirada, também serei morta em pouco!
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O coro - Ah! ps teus discursos não se desmentem! E qual é então esse gênio fatal que se apoderou de ti, que lançou o delírio na tua alma, que te obriga a exalar os acentos do sofrimento, do luto e da morte? Que sucederá a esses preságios? Nada adivinho. 
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Cassandra - Pois bem, o oráculo não mais se mostrará através de véus, como a nova esposa. Ei-lo que vai brilhar à luz do dia, ele se lança, esse vento fatal, para o sol que vai subindo... Não eu não vos falarei mais por enigmas. Um coro não abandona ainda este palácio, coro cujas vozes são harmonias, mas cujos funestos cantos nos gelam o sangue. Ele bebeu sangue humano, para reavivar a sua audácia; dai em diante ela jaz nessa morada, essa multidão desenfreada, essas irmãs, essas Fúrias; ninguém as poderá tirar de la. Foi ai que elas se fixaram, é ai que elas cantam o hino fatal, o crime que produziu tantos crimes! Depois, eles amaldiçoaram, na sua cólera, aquele que profanou o leito de seu irmão. Mas enganei-me por acaso? Sou uma falsa profetisa, uma mendiga faladora que bate às portas? Acredita nas minhas palavras; jura que conheço bem os antigos crimes dessa família, e que eu posso falar neles.
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O coro - E esse juramento será um remédio para os nossos males? Sim, eu admiro-te; tu que viveste para alem-mar numa cidade em que se fala outra língua, e diria-se que viveste perto de nós. 
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Cassandra - Apolo, o deus profeta, fez-me presente da sua arte. 
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O coro - Estaria o deus ferido de amor? 
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Cassandra - Houve tempo em que corava só de o dizer. 
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O coro - Com efeito; quem tudo pode é tentado a não escutar senão o seu desejo.
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Cassandra - Perseguiu-me vivamente, a sua paixão era extrema. 
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O coro - E conferiste-lhe o direito de esposo? 
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Cassandra - Assim prometi a Loxias; mas não cumpri a minha promessa. 
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O coro - Possuías já a esse tempo a arte de adivinhação? 
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Cassandra - Já profetizava aos troianos todas as suas desgraças. 
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O coro - Mas a cólera de Loxias deixou-te impune? 
. Cassandra - Desde a minha mentira, ninguém acreditou mais nos meus oráculos. 
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O coro - E no entanto os teus oráculos parecem-me dignos de fé. 
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Cassandra - Ai! ai! ah! ah! Agita-me o trabalho funesto da adivinhação; o prelúdio do hino de desventura perturba-me a alma. 
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Vês estas crianças sentadas no palácio, semelhantes aos fantasmas dos sonhos? Elas morreram, essas crianças, por culpa de quem as devia amar. Ali estão,tendo nas mãos a sua carne, as suas entranhas, os seus corações; horroroso acepipe, que o pai pôde provar! Mas a atrocidade será vingada; um leão medita a vingança, um leão sem coragem. Ele chafurda no leito conjugal; espreita, no fundo da casa, ai! a chegada do meu senhor, sim, do meu senhor, pois que tenho de me submeter ao jugo da escravatura! Ah! esse chefe dos navios, esse destruidor de Ilion, não sabe o que está por baixo dos longos discursos, dos doces sorrisos da execrável cadela, o horroroso destino que a Fúria lhe prepara na sombra. Uma mulher tem então uma coragem desas! uma mulher assassinar seu esposo! Que nome se deve dar a esse monstro hediondo? Ó serpente de duas cabeças! Scilla, habitante dos rochedos, praga dos marinheiros! sacerdotisa do inferno! É contra os seus que ela exala esse ódio implacável! Oh! como ela riu de alegria, a celerada! Diria que venceu o inimigo, que celebra a sua volta triunfante. Se acho incrédulos, ainda hoje sucederá o que está para acontecer; não tarda muito que os teus olhos vejam o que estou dizendo, e me chames, gemendo, a profetisa terrivelmente verídica. 
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O coro - O festim de Thieste, esse pai que comeu a carne de seus filhos, esse sim, reconheci-o, e estremeci de horror. Mas o resto do teu discurso escapa-me, e perco-lhe o sentido.
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Cassandra - Eu digo-te que vais ver o assassino de Agamenon. 
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O coro - Desgraçada! que dizes? Cala-te!
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Cassandra - Não há remédio; o que tem de acontecer acontecerá! 
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O coro - Mas oxalá não aconteça! 
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Cassandra - Tu fazes votos; mas eles pensam no assassino. 
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O coro - Que homem cometeria essa atrocidade? 
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Cassandra - Tu compreendeste muito mal os meus oráculos. 
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O coro - Não compreendo maquinação. 
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Cassandra - Todavia tu sabes muito bem a língua grega. 
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O coro - Os oráculos de Pithos falam grego também, e contudo são difíceis de compreender. 
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Cassandra - Deuses imortais! que fogo me está abrasando! Apolo! deus destruidor! Ó dor! dor! - Essa leoa de dois pés dormiu com o lobo, na ausência do leão generoso; é ele que me há de matar! Prepara a vingança;  também eu servirei para saciar a sua cólera. Ela diz, afiando o punhal para matar o esposo, que é por me ter trazido, que ele tem de morrer. - Mas para que conservo eu ainda estes vãos ornatos , este cetro, estas grinaldas dos adivinhos que me adornam a cabeça? (Deitando fora o cetro); Hei de quebrar-te, antes de morrer. (Lançando fora as grinaldas); Vá, deixem-me calçá-las aos pés; é o prêmio dos seus benefícios. Levem a outro os tesouros de infortúnio. Vem, Apolo, vem despojar-me em pessoa do manto fatídico. Tu viste-me, na ocasião do cerco, ser o objeto de troça dos meus, apesar de todos esses ornamentos; troças insensatas, já se vê! Chamavam-me vagabunda, como uma bruxa de encruzilhada, e eu sofria a pobreza, a desgraça, a fome. E esse profeta que me fez profetisa, eis a morte para que me levou! Em vez do altar, onde meu pai morreu, espera-me uma mesa de cozinha; é aí que o meu sangue vai correr. E, todavia, os deuses não deixarão impune a minha morte. O nosso vingador virá a seu tempo. Filho fatal, fará pagar bem caro o assassino do pai; exilado hoje, errante e longe da pátria, ele voltará um dia e cumprirá o último assassinato da família. - Ah! para que gemer assim, ficar aqui às portas do palácio! Eu vi Ilion na hora fatal, e eis que se aproxima o juízo dos deuses sobre os que foram senhores na minha pátria! Caminhemos então; tenhamos a coragem de morrer. Muito bem pronunciaram os deuses o sagrado juramento.   Eis-vos, portas do inferno, eu vos saúdo! Oxalá o primeiro golpe seja o golpe mortal!
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O coro - Ó mulher tão desventurada e tão sábia! o teu discurso é prenhe de previsões. Mas se tu sabes a sorte  que te espera, porque é que corres, como abezerra ao apelo dos deuses, assim audaciosamente para o altar? 
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Cassandra - Eu não posso evitar a minha sorte. Ó meus hospedes! o tempo urge. 
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O coro - Morrer em último lugar é sempre ganhar tempo. 
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Cassandra - O dia é chegado; a fuga seria inútil.
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O coro - Crê, é a tua coragem que fez a tua desgraça. 
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Cassandra - Uma tal censura nunca se dirige aos felizes. 
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O coro - Se ao menos fosse uma morte gloriosa, um mortal poderia ainda regozijar-se. 
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Cassandra (marchando para a porta do palácio) - Triste de ti, infeliz pai! Pobres filhos! desgraçados!
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O coro - Que é isso? que receio de faz recuar?
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Cassandra - Ah! ah!
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O coro - Que é isso? Que horror se te apoderou da alma? 
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Cassandra - Esse palácio cheira a sangue e a carnificina. 
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O coro - Não será o cheiro dos sacrifícios que se estão fazendo no lar? 
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Cassandra - Diria-se antes o vapor que exala dos túmulos. 
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O coro - Não é, já se vê, um perfume da Síria. 
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Cassandra - Eu entro; vou ainda ao palácio deplorar o meu destino e o destino de Agamenon;  Vivi já o que tinha a viver. Adeus, meus hospedes! Eu não tremo, como a ave à vista do chamariz. Um dia virá em que a morte me será vingada pela morte duma mulher, em que o sangue dum homem expiará o sangue dum esposo infeliz.  Era então esta hospitalidade que me preparavam; era a morte! 
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. O coro - Ó desgraçada, eu lastimo a sorte que os deuses te revelam! 
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Cassandra - Eu quero dizer ainda uma palavra, mais uma vez lastimo o meu destino. Ó sol! por esta luz que nunca mais verei, foge, eu te conjuro, que os meus inimigos, que os meus assassinos paguem o assassinato duma escrava sem defesa. Ó nada das coisas humanas! Para afugentar a felicidade, basta a vista duma sombra. Basta a fricção duma esponja úmida para fazer desaparecer os sinais; esquecimento que me inspira mais piedade que a perda da felicidade. (Entra no palácio). 
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O coro - Os imortais permitiram a Agamenon que tomasse de assalto a cidade de Priamo; ele entrou em Argos, coberto de glória pelos deuses. Ah! se ele tem de pagar o preço do sangue outrora derramado, se deve morrer porque outros morreram, se um assassino vai vingar outros assassinos, qual é o mortal que depois disto se pode orgulhar de ter nascido sob felizes auspícios? 
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Agamenon (detrás do teatro) - Ah! deuses! derrame um golpe mortal. 
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Primeiro semi-coro - Silêncio! de quem é esta voz? quem é que estão a matar?
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Agamenon - Ah! deuses! deram-me um outro golpe! 
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Segundo semi-coro - Foi o rei que soltou este grito funesto; decerto que o estão matando. Que devemos fazer? 
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Primeiro semi-coro - Gritemos por socorro. 
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Segundo semi-coro - Melhor seria cairmos de repente no palácio e prender os assassinos em flagrante, com o gladio ainda na mão. 
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Primeiro semi-coro - Aprovo esse conselho. Mãos `obra; não há um instante a perder. 
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Segundo semi-coro - Devemos certificar-nos de tudo pelos nossos olhos. 
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Primeiro semi-coro - Ms estamos aqui a perder tempo.
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Segundo semi-coro - Não sei que partido hei de tomar. Demais, vale mais agora deliberar que proceder. 
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Primeiro semi-coro - Não sei de discursos que possam chamar um morto à vida. 
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Segundo semi-coro - Sim; mas passaremos miseravelmente a nossa triste existência obedecendo a tais chefes, a criminosos sujos com o sangue do nosso rei? 
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Primeiro semi-coro - Uma tal sorte é insuportável; prefiro a morte. A morte é mais doce que a vida sob um tirano.
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Segundo semi-coro - Mas, dize-me, esses gemidos provam que o nosso rei já não existe?
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Primeiro semi-coro - Para termos a certeza, é preciso ver com os nossos olhos. 
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Segundo semi-coro - O melhor é esclarecer os fatos e certificar-nos da sorte do Atride. 
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Clitemnestra (aparecendo) - Ainda agora falei largamente, e como convinha à circunstância; agora não corarei de desmentir o meu primeiro discurso. Como, sem a mentira, preparar a ruína dum inimigo que nos parece querido? Ha muito tempo que eu tinha perdido a batalha; há muito tempo também que meditava este novo combate; o inimigo foi vencido; ele caiu, e eu fiquei de pé. Eu tinha preparado tudo, vamos; nem podia fugir nem defender-se. Envolvi-o, como se faz aos peixes, numa rede sem saída; era um rico véu, mas um véu de morte. Duas vezes o firo, duas vezes grita; a força abandona-o, cai. Depois acabou com ele uma terceira punhalada, e Plutão, o guarda subterrâneo dos manes, viu satisfeitos os seus votos. A vítima expira; as convulsões da morte fazem jorrar o sangue das feridas, e o orvalho do homicídio cai em negras gotas sobre mim, o orvalho tão doce ao meu coração como o é para os campos a chuva de Júpiter, na estação em que a espiga cresce. Eis o que se passou; vós que estias nestes lugares, velhos de Argos, partilhai ou condenai a minha alegria, pouco importa; felicito-me pela minha ação.
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O coro - Adiremos a impudência da tua linguagem.  Uma mulher insultar assim seu esposo! 
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Clitemnestra - Tomais-me por uma mulher sem resolução, mas o meu coração não treme. Louvor ou censura, tudo o que dizem de mim me é indiferente (Mostrando  o cadáver de Agamenon). - Eis Agamenon, o meu esposo, e eis a mão que o matou. A obra é duma boa obreira. Tenho dito. 
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O coro - Mulher! que foi o que bebeste ou que comeste que assim te perturbou os sentidos? Osas cumprir o horroroso sacrifício! expor-te às maldições de todo o povo! Objeto do ódio dos cidadãos, tu viverás num eterno exílio. 
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Clitemnestra - Querem que sobre mim caia o ódio dos cidadãos e as maldições populares; e não há uma palavra de censura para esse homem que eu matei. Ele avaliava a vida de sua filha pela dum cordeiro; quando os rebanhos abundavam nas suas pastagens, imolou a sua própria filha, o fruto bem-amado das minhas entranhas - só para acalmar o vento da Thracia! Não era ele que se devia exilar? não era essa a recompensa digna dum tal sacrilégio? Não! é a minha ação que inflama o vosso zelo, é só para mim que os juízes são severos. Pois bem, as ameaças acham-me preparada. Combatamos! Se fordes vencedores, tenho de obedecer; mas se o céu decida o contrário, a desgraça será para vós a tardia mas eficaz lição da prudência. 
O coro - o teu coração é cheio de audácia; o orgulho transparece nos teus discursos; a carnificina embriaga-te; o furor perturba a tua alma. Mas o sangue que mancha a tua face, deve ser vingado. Sim, os teus abandonar-te-ão e a morte será o preço da morte dum esposo. 
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Clitemnestra - Eis, por minha vez, o juramento sagrado que pronuncio: Eu juro pela vingança de minha filha, por vós até Erinnis, que me ajudaste a imolar esse homem, que nunca porei o pé no palácio do Medo, enquanto Egistho atear o fogo do meu lar, enquanto ele me dedicar amor. Egistho é o forte escudo em que a minha audácia confia. Ei-lo aí estendido sob os meus olhos, esse homem que me tornou tão desgraçada; esse homem, as delícias das Chriseis do cerco de Ilion; ele e essa escrava, a fiel companheira do seu leito, e que atravessou os mares com ele! Bela recompensa a que tiveram! Sabeis o destino dele; enquanto a ela, cantou como o cisne o canto gemebundo da sua morte; amante desse homem, morreu  com ele; doce volúpia que subtiliza ainda mais as volúpias dos meus amores! 
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 O coro - Vem, ó morte, apressa-te, não demores o último momento; vem estender sobre os nossos olhos o sono que não tem fim! Já não existe, o senhor que tinha por nós tanta afeição! Aquele que tinha aguentado tantas canseiras por causa duma mulher, a mão duma mulher o roubou à vida! Ah! pérfida Helena, que de guerreiros, sob os muros de Troia, tu só fizeste morrer! E eis ainda que o grande herói, ilustre entre todos, caiu por tua causa; foi por tua causa que ele tinha derramado um sangue inexpiável! Ah! quando se preparava o sacrifício, a Discórdia terrível, no fundo do palácio, meditava a ruína dum esposo! 
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Clitemnestra - Para que afligir-te com o que fiz, invocares a morte, fazeres cair sobre Helena a tua fúria, acusá-la da morte dos heróis? Não, não foi só ela que fez morrer tantos gregos, que causou essas eternas dores. 
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O coro - Ó gênio apegado a uma raça fatal! Uma mulher igual ou então a horrorosa audácia das duas Tantalides!  A tua nova vítima dilacera-me o coração. Ímpia! ela inclina-se sobre o cadáver, como um corvo devorador! envaidece-se, por cantar o hino do triunfo!
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Clitemnestra - Pois bem! tu acusá-lo enfim, o onipotente gênio dessa raça! é ele que nutre nas nossas entranhas a inextinguível sede do sangue antes que uma chaga se feche, já um novo sangue correu. 
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O coro - Sim, esse gênio de que falas, o gênio desta família é cheio duma temível cólera! Deuses imortais! deuses imortais! Ó meu rei, meu rei, como choraste? Com que palavras devemos nós exprimir as saudades da nossa alma? Aí estás, deitado nessa teia de aranha! Ó morte indigna, indigna dum homem livre! Morrer assim numa cilada, morto pelo machado de dois gumes!
Clitemnestra - É minha obra, dizes vós. Pois sim, mas não me chames a esposa de Agamenon. Foi o antigo, o cruel vingador do horrendo banquete que Atreu tinha oferecido a seu irmão; foi ele que tomou a fisionomia da mulher desse morto; foi ele que puniu esse homem; a morte dum guerreiro pagou a das duas crianças. 
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O coro - Tu, tu, inocente desse crime! Onde estão as testemunhas? onde estão elas? Ele ajudou-te, esse fatal gênio que vinga os crimes dos pais? Sim, mas o medonho combate continua, o sangue correrá ainda, derramado pelo parricida; um crime que gelará de horror aquele mesmo que devorou a carne de seus filhos! - Deuses imortais! Ó meu rei, meu rei, como chorar-te? Com que palavras devo exprimir-te as saudades da minha alma? Aí estás, deitado nessa teia de aranha! Ó morte indigna, indigna dum homem livre! Morrer assim numa cilada, morto pelo machado de dois gumes! 
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Clitemnestra - Não, a morte desse homem não é indigna dele. Essa filha, fruto do nosso hímen, essa Ifigênia  tãoadorada, essa sofreu um indigno suplício; mas o suplício dele era merecido. Que se não queixe muito alto nos infernos; imolado pelo gladio, não fez mais do que receber o preço do seu crime. 
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O coro - Que partido tomar? a minha rasão alucina-se! que fazer para impedir a queda da casa dos meus reis? 
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Primeiro semi-coro - Ai! terra, terra! Quem vai enterrar o meu rei? Terás essa coragem, tu a assassina de teu esposo? Ousarás gemer no seu funeral? 
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Segundo semi-coro - Que canto fúnebre ressoará sobre o túmulo desse homem divino? que canto acompanhado de lágrimas, saído dum coração sincero? 
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Clitemnestra - Esse cuidados não vos dizem respeito. Foi às nossas mãos que ele caiu, que ele morre; nós o enterramos. Os seus funerais não ressoarão com os gemidos desolados dos seus; mas Ifigênia, sua filha, cheia de ternura, como é natural, irá sair ao caminho de seu pai e abraçá-lo-á sobre as margens do rápido rio das dores. 
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O coro - À minha censura , ela responde ultrajando a vítima. A! onde pararão tantos crimes? O assassinato é punido pelo assassinato o o sangue é o preço do sangue. Enquanto subsistir Júpiter na duração, esta lei é eterna; Todo o culpado tem o seu castigo. Quem pode, senão pela violência, expulsar para sempre da casa dum pai os legítimos herdeiros? 
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Clitemnestra - As tuas palavras são as do oráculo. Pois bem, eu faço este juramento ao gênio dos Plisthenides: eu submeto-me à lei, custe o que custar. Mas ao menos que esse gênio saia desta residência, que ele imagine uma raça diferente da minha! Chega-me a menor parte dos nossos bens, contanto que eu livre este palácio do furor dos mútuos homicídios.
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Egistho - Ó doce claridade do dia da justiça! Até que enfim posso dizer que há deuses vingadores, que vela, pelas dores humanas! Lá está ele, nesse véu, nesse tecido das Fúrias; lá está estendido! que agradável espetáculo para mim! Lá está Agamenon a expiar o assassinato de seu pai. Sim, Atreu, o rei deste país, o pai deste homem disputou o império de Thieste, meu pai, e seu próprio irmão; exilando-o da sua pátria, expulsou-o de sua casa. o desventurado Thieste voltou ao lar, invocou os direitos da hospitalidade; prometeram-lhe conservar-lhe a vida. O pai desse homem, ímpio Atreu, oferece a meu pai o festim dos hóspedes. Que delicadezas, que atenções a desse pérfido! Preparem-se carnes; é um dia de festa que ele parece querer celebrar, e a carne que serve a Thieste é a carne de seus filhos! Atreu devora os dedos dos pés e das mãos. Os bocados que se não podem conhecer são oferecidos a Thieste, e ele põe-se a comer esse alimento, fatal como vês, para a raça de Atreu. Por fim, reconheceu o estúpido crime. Solta um gemido, rola no chão, vomitando o prato da matança; expõe os Pelópidas ao mais tenebroso destino; atira a mesa com as pernas ao ar, e as suas justas imprecações imploram o destruição de toda a raça de Plisthenes. Eis a razão porque vês diante dos olhos esse cadáver; eis porque esse assassinato foi absolutamente justo. Eu era o terceiro filho de Thieste; muito novo, ainda usava cueiro, fui expulso com meu desventurado pai. Mas eu cresci, a justiça trouxe-me. A minha mão fez-se sentir a esse homem; não estava no lugar em que ele morreu, mas fui eu que urdi a maquinação fatal. E agora até a morte me parecia bela; se eu vejo o inimigo no lago da vingança!
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O coro  - Egistho, juntas ao crime a insolência! Orgulhas-te de ter morto voluntariamente esse herói, de ter concebido o projeto desse execrável assassinato. A tua cabeça responderá por isso! Condenado pelo povo, não tarda que não sejas lapidado. 
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Egistho - E és tu, sentado no último banco dos remadores, que falas assim aos que dirigem a manobra, sentados num banco mais elevado? Velho! é costume dizer-se que burro velho não toma ensino; mas tu verás! Os ferros , os horrores da fome podem ser excelentes mestres, médicos infalíveis, mesmo para a alma dos velhos. Depois disto, não vês ainda o que te espera? Vá, não recalcitres contra o aguilhão; teme um castigo doloroso. 
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O coro ( Clitemnestre) - Ó mulher! eis o que o esperava em sua casa, à volta dos combates! Não te bastava emporcalhar o leito dum esposo; foste tu quem preparaste a morte de teu esposo, do chefe dos guerreiros! 
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Egistho - Essas palavra vão causar-vos muitas lágrimas.  Essa voz tem efeitos contrários da de Orfeu; ele arrastava tudo pelo encanto das suas canções, e vós irritais-nos com latidos insensatos! Mando-vos agrilhoar ; dominados por este modo, mostrareis talvez menos firmeza.
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O coro - O que! pois havia de ver-te senhor dos argivos, tu que preparaste a morte desse herói e que nem a coragem tiveste de executar o crime!  
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Egistho - É evidente que era à sua mulher que competia empregar o ardil. Eu, inimigo de sempre, era suspeito. Senhor do seu poder, vou governar em Argos. Todo aquele que recusar obedecer, carregá-lo-ei de cadeias como a um cavalo fogoso, que se não submete ao freio...
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O coro - Covarde! mas tu nem te atreveste a ferir esse herói com as tuas mãos! Era-te preciso alguém que te ajudasse; foi essa mulher que o matou, essa mulher, o opróbio do meu país e dos deuses Argos! Ah! se Orestes vê ainda em alguma parte a luz do dia, que volte depressa e imole estes dois assassinos!
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Egistho - Já que tais são as vossas ações, as vossas palavras, pois que assim o quereis, ides conhecer daqui a pouco... 
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O coro - Socorro! soldados, meus amigos, aproxima-se o momento! Socorro! desembainhem espadas! 
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 Egistho - Também eu tenho a espada na mão, e saberei morrer!
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O coro - Morre pois; aceitamos o augúrio; interroguemos a sorte dos combates.
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Clitemnestra (a Egistho) - Ó mais querido dos homens, basta de desgraças. Não derramemos mais sangue. Entrai, velhos, cada um nas vossas casas; ninguém vos fará mal. Não cedemos ao destino; o que se fez tinha de ser fatalmente feito. Demais, um castigo seria crueldade;basta a cólera do céu que pesa sobre nós. Tal é o conselho duma mulher. 
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Egistho - Mas então clamarão contra mim esses clamores insensatos! as suas pragas solicitarão os deuses! perderão todo o respeito! insultarão o seu senhor!
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O coro - Nunca! os argivos nunca serão os cortesões dum perverso mortal. 
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Egistho - Qualquer dia terás meu castigo. 
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O coro - Não! Não! o céu favorável há de trazer-nos Orestes. 
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Egistho - Bem sei que um proscrito se entretêm sempre com esperanças. 
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O coro - prossegue; toma o poder, viola a justiça; aproveita; é hoje o teu dia. 
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Egistho - Heis de pagar bem caro essa estúpida insolência! 
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O coro - Triunfa, ostenta os teus encantos, como o galo ao pé da sua galinha. 
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Clitemnestra (a Egistho) - Não dês ouvido a esses vãos latidos. Somos os senhores destes domínios; saberemos mete-los em ordem. 
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F I M 


BREVE BIOGRAFIA DO AUTOR
               Eschilo (Ésquilo), o mais antigo poeta trágico da Grécia, nasceu em Eleusis, no Ático, em 525 a. C. Combateu nas batalhas de Marathona, Salamina e Platéas. Aos 25 anos apareceu com escritor trágico, não obtendo contudo nenhum prêmio até o ano 485 a.C.  Manteve a supremacia até a sua derrota pelo jovem Sófocles; de desgosto retirou-se para Gela, na Sicília em 459 a.C, vindo a morrer ali alguns anos mais tarde. Eschilo é chamado o "pai da tragédia grega". Das suas setenta tragédias, somente existem sete que chegaram aos nossos dias: Os Persas, Os sete contra Thebas, As Suplicantes, Prometeu acorrentado, e a famosa trilogia de Oréstia, compreendendo o Agamenon, As Choeforas  e As Eumeníades. 
Nicéas Romeo Zanchett